EU NÃO ARDO NAS SOMBRAS, CONSTRUO ALVORADAS!...

quarta-feira, 16 de julho de 2025

O CANTO DO CISNE


 






Despenho-me nos teus lagos, como sombra que se afoga no espelho, quando para ti canta o cisne mais triste com a voz quebrada no fim da tarde. O som, grave e húmido escorre-me pela pele, como se o teu corpo estivesse ali, à distância de um sopro molhado. Busco-me em ti, como a febre que se deita na pele fresca, como a fome que aprendeu a conviver com o tempo da espera. E o desejo não pede licença, lambe-me as mãos, rasga-me os silêncios e faz do teu nome um feitiço que arde entre as coxas do tempo, e no amor que se esconde no musgo das margens. És lago, és abismo, és fogo que não se vê – mas que se adivinha no rumor do vento, no nevoeiro que tarda em partir, no calor que brota entre os juncos, nas aves que esvoaçam quando o gemido é mais fundo que o céu. O cisne canta sim, e no seu canto a noite cresce. Mas há um outro som mais longo e estridente. O da ausência a roçar-se em mim, com a textura exacta da tua pele, com o peso inteiro do que ainda nos falta viver. Se viesses agora, encontravas-me deitado na margem, como um poema inacabado, a pedir a tua boca como quem suplica um fim ou um princípio.



albino santos
* Reservados Todos oa Direitos de Autor



segunda-feira, 14 de julho de 2025

UM LEVE RUMOR

 


Acorda-me, não o dia, mas um som leve, quase esquecido. O rumor de uma ave em movimento. E nesse instante entre o sonho e o mundo, sinto no ar um presságio quente, uma presença que se anuncia antes de chegar. Talvez sejas tu. Talvez sejas tu a querer voar para os meus braços. Há em ti o sussurro de um voo contido, um desejo antigo que não se esgota nas palavras. Sinto-te no vento que roça a janela no instante em que a luz hesita, como se o universo estivesse à espera da tua decisão. E eu, acordado por esse presságio de ave, estendo os braços sem saber se te espero ou se apenas te imagino. Tu, feita de céu e de mistério, tens em ti a leveza das coisas que nunca se prendem, mas também a rara doçura de quem sabe pousar. Se vieres – se vieres até mim – que seja por desejo e não por medo, por amor e não por refúgio. Que o teu voo seja escolha e os teus braços, as asas fatigadas pelo tumulto do voo. E se for verdade esse rumor – se fores mesmo tu, a aproximar-te em silêncio – então deixa que o mundo espere. Porque entre o instante em que acordas e o momento em que me tocas, tudo em mim se suspende.

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albino santos
Teservados Todos os Direitos de Autor


quarta-feira, 9 de julho de 2025

O AMOR É UMA PLANTA FRÁGIL


 




O amor é uma planta frágil. Não nasce de repente como as tempestades, nem explode como os fogos do acaso. Nasce tímido num canto de terra que nem sabíamos ser fértil. Precisa de sol, mas teme o calor em excesso. Quer água mas afoga-se fácil. É sensível ao vento das palavras duras, aos silêncios longos como noites de inverno. Ele germina em silêncio, no escuro do coração, onde a terra é feita de memórias, desejos e medos. Surge quase invisível, como quem pede licença para existir. Cresce devagar, folha a folha, gesto a gesto, ao toque leve, ao olhar atento, à paciência dos dias. Quem ama aprende a jardinar com o coração. Aprende a podar a incompreensão, a regar com ternura, a protege-lo das pragas, da rotina. E mesmo assim, às vezes o amor fenece. Não por falta se sentimento, mas por falta de presença. Porque o amor, tal como as plantas frágeis, não vive só de sementes lançadas em solo fértil – precisa ser cultivado com carinho, todos os dias, com ternura nas mãos e a alma entre os dedos.



albino santos
*Reservados Todos os Direitos de Autor

quinta-feira, 3 de julho de 2025

QUANDO CHEGAS DISSOLVEM-SE AS TREVAS



Quando chegas dissolvem-se as trevas. Os teus olhos tecem a luz como quem borda o alvorecer sobre a pele da noite. Não precisas dizer palavra – és claridade em forma de presença. Trazes contigo uma luz que não se vê - sente-se. Atravessa-me. Rasga a sombra dentro de mim com a delicadeza de quem sabe exactamente onde te quero… Há em ti uma alvorada que me fascina. Quando te aproximas, tudo em mim se despe da ausência – o corpo acende-se em planícies férteis onde antes tudo era um árido deserto. Os teus passos sobre o chão têm o peso exacto da ternura, e o teu olhar toca-me com a suavidade de uma mão invisível. Deslizas pelos meus dias como o vento morno sobre os campos – sem pressa, mas com o rumo certo. E eu deixo-me colher, aberto como uma flor à tua luz. Há em cada gesto teu um erotismo doce, uma vertigem delicada que me envolve e fascina. És água em sede antiga e eu bebo-te até onde consigo e além do que ouso. És o princípio e o fim da minha inquietação. Chegas e tudo se transfigura. A tua pele, um livro que leio com os dedos. O teu riso, a música quente e deliciosa de um blues que me devolve a luz e o prazer da vida.
Sim, quando chegas dissolvem-se as trevas. E eu, curvo-me em silêncio diante da tua luz – não por submissão, mas por reconhecimento. E não há refúgio possível, porque em ti encontrei o exílio mais doce. Sou corpo anoitecido que resplandece para ti. E, diante da tua luz, ergo a voz embargada de gratidão por seres sol e chama, mar que me arrebata das trevas, fúria que me guia à paz – és o meu tudo e o meu quase nada, mas sobretudo és a luz que teces em mim de cada vez que te amo.


albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor