EU NÃO ARDO NAS SOMBRAS, CONSTRUO ALVORADAS!...

terça-feira, 30 de setembro de 2025

ONDE SE PERDEM OS SONHOS


            Rasgo o infinito como quem abre uma fenda no próprio silêncio do tempo, e é então que o mar, guardião das vozes invisíveis, responde ao apelo dos meus sonhos. Não responde em palavras, mas em presságios, em redemoinhos que arrastam a memória, em marés que sonham como se fossem o pulso secreto da eternidade. O mar, com a sua vastidão, é o espelho do inatingível. Cada onda que se ergue é um gesto de criação, cada espuma que se desfaz, um segredo daquilo que o mundo esconde de nós. Nele repousa a sabedoria das origens: antes da primeira palavra, havia apenas este rumor profundo, este cântico líquido, de rosto azul, onde os deuses e as sombras se confundem.
       Quando o chamo, não é apenas água que me responde – São os destroços de paixões afogadas, o eco de constelações de sonhos que se perderam na bruma, a recordação dos mitos que deixaram de existir. É como se o oceano fosse um imenso sarcófago erguido sobre colunas de vento e sal, onde cada gota guarda um oráculo. E eu, ao lançar-me nesse diálogo, compreendo que não sou um intruso, mas um fragmento chamado de volta para à luz extenuada do teu peito, onde a sombra entra devagar.
 
         Sonhar é, então, atravessar as superfícies e tocar o indizível, como quem mergulha nos corredores secretos do infinito. O mar não me consola nem me revela; ele me transfigura. Ele toma meus sonhos como oferendas e os devolve em enigmas, para que eu jamais esqueça que a vida não é resposta, mas abismo em constante revelação.



albino santos
* Reservados todos os Direitos de Autor

domingo, 28 de setembro de 2025

VIVALDI








        Ainda ontem éramos a invenção de um tempo secreto, uma melodia que Vivaldi jamais ousou compor. Um prelúdio apenas feito para nós, onde o vento trazia murmúrios de cordas invisíveis e a noite se abria como um palco de seda. Ali, entre a penumbra e o desejo, buscávamos a melodia que nos fazia existir, como se cada nota fosse a respiração suspensa entre a tua boca e a minha. Eternizamos partituras invisíveis, gravadas não em pautas, mas sobre a pele arrepiada, no tremor das mãos que se procuram sem destino. Não há silêncios ou sons que as contenha, porque são feitas de instantes irrepetíveis – o calor de um beijo demorado, a dança lenta do teu corpo no meu, o silêncio que se torna sinfonia quando me perco nos teus olhos. Mas é pelo solfejo dos meus dedos, ao deslizar na tua pele como quem percorre uma partitura, que a música se faz ouvir. A cada toque, um acorde desperta, a cada suspiro, uma orquestra inteira se ergue. O teu corpo é uma harpa de fogo, e eu, sou apenas quem se deleita no prazer de te tocar. Então, a melodia sobe de tom, eleva-se em chamas, como uma aurora inevitável, incendiando o espaço entre nós. Não é apenas música: é revelação. Uma obra eterna que nasce em ti, se expande em mim, e só conhece o infinito quando os nossos corpos se encontram em plena sintonia, no auge da música.

 


albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

ABRE-ME A ALMA

      Vens. Com a luz quase despida. Devagar, como quem deixa um sopro fatigado sobre a boca. Mas toca-me a pele antes de me tocares a alma. Deixa que os teus dedos aprendam o idioma do meu corpo – esse idioma que não se fala, apenas se sente. Que o arrepio seja a primeira palavra entre nós, a sílaba que abre caminho ao silêncio cúmplice. Desce os degraus por onde desce a sombra e encosta-te a mim, para que o teu calor se confunda com o meu e que, num rumor imperceptível, a fronteira entre nós se dissolva na febre do instante. Porém, não me ofereças ainda o abismo da tua alma: desperta-me primeiro do sonho, dá-me a realidade em forma de beijo, ou de um suspiro que rasga a noite, para que eu veja o fogo dos teus olhos luzir no escuro. Quero que as tuas mãos sejam carícias sobre a minha pele, que cada gesto teu seja desejo, prelúdio, vertigem. E quando já não houver distância entre o teu corpo e o meu, quando a tua pele for já a extensão da minha, então, abre-me a alma. Que seja como um segredo sussurrado ao ouvido, em que se acredita apenas no limite do prazer. Aí, já não saberei se desperto ou se ainda sonho, pois ambos se tornam na mesma secreta e única realidade.



albino santos
*Reservados Todos os Direitos de Autor

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

ÉS, SIMPLESMENTE, TUDO !

       A noite é sempre um mar de saudade que se ergue e sobrevoa os espaços em que a madrugada se decanta. Nos sons da noite, há sempre a entoação da tua voz que alimenta os meus anseios e o imaginário dos meus sonhos, que o mar teima arrastar na correnteza da maré. Quero ser a tua nudez – não apenas o gesto de despir, mas a entrega inteira do que és quando deixas cair os medos e permaneces diante de mim, só tu. Quero ser o teu navio, o lugar onde repousas, a viagem que te leva mais longe, como se cada instante fosse o primeiro oceano da tua vida. Quero ser a tua noite nunca navegada, o rumor que não te assusta, mas te envolve, a escuridão onde só existe luz, porque és tu que brilhas intensamente. Em ti, descubro a suavidade e a vertigem, o resto do sonho que esqueci em sobressalto. Quero escrever com os dedos o mapa secreto da tua pele, e que os teus suspiros sejam a bússola que me guia. Quero ser o guardião dos teus silêncios, o cúmplice da tua ousadia, aquele que atravessa contigo todas as noites e todos os desertos, só para repousar na suavidade do teu corpo. Quero ser o instante em que fechas os olhos e te deixas cair no meu abraço.

      Porque em ti, não busco apenas destino. Busco eternidade. Quero afundar-me no teu infinito até já não existir fronteira entre o que sou e o que és. És o meu porto e o meu naufrágio, o meu mistério e a minha certeza. És, simplesmente, tudo!



albino santos
*Reservados Todos os Direitos de Autor

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

ENTRE O SONHO E A FÚRIA


 








       Perco-me nas palavras como me perco em ti: entre o sonho e a fúria. Há sílabas que se abrem diante de mim como portas de um labirinto, e eu entro nelas como quem procura abrigo e só encontra abismos profundos. Cada verbo é uma ferida, cada silêncio é um mar onde me afogo devagar. No entanto, há também ternura na ondulação das águas, como se as palavras onde me perco, fossem braços que me envolvem quando a noite escura pesa sobre o peito já cansado. É quando sinto vontade de te ler, para encontrar o equilíbrio que me permita olhar o céu sem medo das alturas. Mas não te leio – devoro-te. E cada palavra tua é um poema, um gesto sem tradução possível, uma língua que me chama e me rasga, que me promete o infinito e me entrega ao fogo do crepúsculo. És feita de clarões que me queimam e de sombras que me embalam, como se o amor fosse sempre esta dança cega, entre êxtase e tempestade.

        Sonho-te. E no sonho és luz, amorosamente humedecida pelo sol da língua. Mas és fúria, se vires a noite a arder, e não tiveres a minha boca para beijar. Entre o sonho e a fúria, é aí que me perco: no espaço onde não sei se estou a escrever, a amar, ou a morrer em ti.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

terça-feira, 16 de setembro de 2025

ESTA NOITE DORMI À LUZ DAS VELAS

 





        Esta noite dormi à luz das velas, e o meu quarto vestiu-se de penumbra e silêncio. As velas acesas tremulam, tentando acompanhar o ritmo ofegante do meu peito. A chama é bela, mas é escassa a sua luz; ilumina as paredes, mas não dissipa a sombra mais profunda: a da tua ausência. Falta-me a tua luz. Durmo sem dormir, estendo a mão, e encontro apenas um lugar frio, em vez do teu corpo quente e ansioso. As velas ardem, mas em vão; nenhuma chama tem o fulgor da tua luz, nem a doçura ardente do teu beijo, nem a sombra nua onde pousam os meus lábios. Se aqui estivesses, eu deitar-te-ia sobre a gélida penumbra e faria da tua boca uma nascente de fogo. Tocaria a tua claridade e beberia a tua luz até que a minha própria sombra se extinguisse. E só então, com os meus lábios sabendo à luz mordida, deixaria a noite descansar.

      Mas não estás. É à luz das velas, tão pequenas, tão frágeis diante do teu brilho, que me entrego à espera, sonhando com o instante em que a tua presença venha acender de novo o meu corpo escurecido, tão carente da tua luz. Se não vieres, vou deixar que o sol responda à flor da manhã e esquecer-me do mundo.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor


domingo, 14 de setembro de 2025

NA FILIGRANA DA NOITE



 







Agora que dormes e acordas cada vez mais longe, encosto-me à noite e deixo que o silêncio me envolva como uma sombra inquieta. É na escuridão que a tua ausência se acende dentro de mim, como se o corpo tivesse memória própria do teu rosto. Procuro as tuas mãos na filigrana da noite, com a certeza que elas me trazem a ternura e o fogo que se escondem nos teus dedos. É neles que repousa o caminho para o amanhecer, como se a luz só pudesse nascer quando eles encontram o meu calor. O desejo é simples e vasto: quero sentir o calor das tuas mãos na minha pele, a luz das tuas carícias a atravessar a noite. Porque é no teu corpo que a madrugada acontece, é na tua boca que a aurora se abre, só contigo o escuro se dissolve, e a noite se rende à realidade.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

DESPERTAR


Quando me deito e a penumbra da noite cai sobre mim, sei que o sono me leva apenas a meio caminho do que, verdadeiramente, espero. Porque é no instante em que chegas, silenciosa e intensa, que os sonhos ganham forma e movimento. As metáforas que surgem na minha boca não são simples palavras, mas rios acesos de desejos, que procuram na tua pele a ternura e o calor de um arbusto em chamas. A cama deixa de ser apenas lugar de repouso: torna-se altar, onde cada gesto teu desperta em mim a linguagem profana e secreta do amor. Acordas-me, não apenas do sono, mas da letargia do mundo; trazes-me de volta ao fogo primeiro, aquele que antecede qualquer aurora. És claridade que rasga a escuridão, tempestade que me prende e me liberta ao mesmo tempo. E quando vens sobre mim, não é apenas o meu corpo que desperta – é a minha essência inteira que em ti se reconhece, o amante que em ti renasce. Cada metáfora que invento diante da tua nudez torna-se vacilante, porque nenhuma palavra alcança a vibração dos teus suspiros, nem o arrepio que deixas na pele. Tu és o poema que a minha língua aprende no toque, és a liturgia do prazer que me faz crer no divino, escondido na sombra lancinante da tua cintura. E assim, entre o peso dos lençóis e a leveza do teu corpo, descubro que o verdadeiro despertar não vem do rumor manhã, mas do instante em que te deitas sobre mim e me devolves ao mundo, com o sabor húmido da tua presença. 



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

A TUA VOZ


Quando sonho contigo, escuto um timbre de voz que conhece bem o murmúrio do fogo. E não há nada que me pertença nesse instante – porque tu me arrancas de mim próprio, me entregas às tuas chamas e me pões a arder como se cada palavra tua fosse uma centelha que não se apaga. A tua voz não me é estranha – é como se a tivesse esperado desde sempre, adormecida dentro de mim, e que agora desperta, convocando-me a escutar o ardor suave, o fogo íntimo, o canto da chama que só tu sabes pronunciar. A tua voz não fala: ela invade, ela reclama um lugar dentro do meu peito, e eu pego fogo só por te ouvir. É uma chama que arde sem piedade, mas que se sente como o ardor de uma caricia. O som da tua voz, atravessa-me com o ímpeto de quem não teme ferir, porque o ferimento não é dor, é prazer. É fogo que não destrói, que se consome com uma ternura feroz. E, diante de ti, não sei se desejo apagar essa febre ou alimentá-la com o meu próprio corpo. E quando os teus lábios se movem, sinto o mundo estremecer: o tempo perde forma e dimensão, e tudo o que existe, converge na vertigem de me lançar nos braços da tua voz. Há um poder secreto em ti – não é só a beleza do teu corpo ou o desenho da tua boca, mas a voz, esse feitiço ardente que me chama como se tivesse o direito de me possuir. E como eu quero ser cativo do teu murmúrio! Ser a lenha que a tua chama devora, o silêncio que a tua voz rasga. Porque em ti, não existe apenas fogo: há a promessa do abismo, o êxtase de me perder sem retorno. E eu já não temo o que arde. Só temo a frieza do mundo onde não exista o murmúrio do fogo que emana da tua voz quando te sonho.

 


albino santos
Reservados Todos os Direitos de Autor

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

DE RAMO EM RAMO

Subo por ti de ramo em ramo, não como quem procura o cimo de uma árvore, mas como quem persegue a respiração secreta da aurora. Cada degrau da tua presença é um convite ao desconhecido: a vertigem doce de me perder na altura onde o teu silêncio floresce. O ar que te envolve tem o perfume das promessas ainda intactas, como se cada folha fosse um sussurro guardado para os meus lábios. E quanto mais avanço, mais descubro que não é o destino que me chama, mas o percurso errante da tua essência, o labirinto de luz e sombra onde me perco para, em ti, me poder reencontrar.

Há um lume nas tuas manhãs que não se vê, apenas se sente: é claridade que se insinua, um calor secreto que desponta entre as frestas do dia. Subir os teus ramos e aproximar-me de ti é como encostar o ouvido à pele da terra e ouvir o rumor do coração escondido no mundo. E quando enfim chego à altura do teu olhar, não encontro o fim da subida, mas o início de uma outra ascensão. Porque em ti, não há cume nem fronteira: há sempre um horizonte que se estende mais além, uma chama que, mesmo quando se apaga, renasce sempre, mais alta, mais viva, mais pura. Sou viajante da tua íntima eternidade, e cada ramo que me sustenta é já um prolongamento do teu corpo invisível, esse corpo feito de memórias, de vento e de silêncio. Colher em ti o lume das manhãs é, afinal, acender-me mais uma vez – e deixar que, em ti, o mundo desperte de novo.

 


albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

SOU O TEU SEGREDO









Sou o teu segredo de todas as horas. Habito o intervalo entre o teu suspiro e o teu silêncio. Sou o pensamento escondido que se infiltra sem pedir licença, o fogo discreto, a febre em fúria que guardo em mim como quem carrega uma chama escondida no peito. Sou a lembrança quente que se acende no teu corpo quando a noite te envolve, o eco invisível que te percorre quando pensas estar só. Sou a vertigem que se instala nos teus gestos mais simples, transformando um olhar num desejo e uma palavra num longo sussurro. Sou o teu segredo quando o dia nos exige distância, mas também quando a noite, cúmplice, nos oferece amorosamente o seu manto. Não preciso de nome, quero apenas sentir o calor do teu corpo, a tua respiração pousada sobre mim e os meus braços envolvendo ternamente a tua cintura. Porque serei sempre a luz que te arde entre os lábios e o fogo infatigável que te consome por dentro. No tempo suspenso do nosso desejo, sou a chama que nunca se apaga, a presença que se deita contigo quando todo o mundo dorme. E quando na solidão dos teus lençóis, acreditas que ninguém te observa, sou eu quem desperta os teus desejos mais profundos. Sou a chama que se prolonga no teu ventre, o murmúrio que pede mais, o desejo que não se deixa calar. De todas as horas que passam pela noite, eu sou a mais íntima – aquela em que os teus olhos fechados revelam mais que qualquer palavra. Ali, sou o sol da tua noite, e tu és a minha eterna exaltação.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A NASCENTE


           Deve haver, algures, uma nascente escondida, uma fonte primordial onde brota a água que me percorre. Não sei onde nasce – se no fulgor do teu olhar, se no silêncio que se instala quando a tua boca adivinha a minha. Apenas sei que em ti tudo corre, tudo flui, tudo me alcança, como um rio que sempre encontra o caminho para o mar. És a nascente invisível que me surpreende no gesto mais simples: no modo como deslizas os dedos pelas tuas margens quando a noite se cobre de sedução. É aí que começa a corrente que me envolve e atravessa com as águas rugosas de Setembro. E eu, ao receber-te, torno-me num mar imenso, de águas claras a arder ao vento. Um mar que abre uma enseada para receber o curso rebelde e infatigável das tuas águas, e se deixa moldar pelo ímpeto da corrente. Sinto que és nascente e rio, vens de longe, de lugares que desconheço, e no entanto é em mim que desaguas, é em mim que repousas. Não importa onde começa a tua água, o que importa é que nela me reconheço, nela me recrio, e nela me perco para me encontrar. Não és apenas a água que se dissolve em mim e mata a minha sede, és também a sede que me estimula a vida. És o rumor incessante do rio que me atravessa, és o segredo eterno da longínqua nascente que não preciso ver para saber que existe – porque em cada gesto teu, o mundo inteiro começa a correr ternamente em mim.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor