Agora só a minha sombra pousa
em ti, como de uma carícia se tratasse. Ela desliza sobre a tua pele com a
suavidade da brisa, que não se vê, mas que se sente – essa presença invisível
que te toca sem pedir licença, que te percorre sem tu sentires, enquanto o luar
da noite, cúmplice e silencioso, ilumina o sensual contorno da tua nudez. A
minha ausência tornou-se um corpo leve, sombra errante que ainda te procura nos
reflexos do amanhecer. E quando o mundo se cobre dessa luz dourada, é como se o
tempo se suspendesse só para nos ver – eu reduzido a sombra, e tu, bela e nua,
com a minha sombra percorrendo o teu corpo. Ali, pousada docemente em ti, onde
outrora pousavam as minhas mãos – hesitantes, lentas, descobrindo-te como da
primeira vez.
Há no toque da minha sombra em
ti, uma memória e uma ternura antiga que o tempo não apaga, feita de desejo e
distância. Quisera que essa sombra tivesse calor, e que o seu perfil
obscurecido pudesse enrolar-se no teu sono, incendiar-te a pele como antes
fazia o meu corpo. Mas o que resta é isto: o eco de um toque, a lembrança que
insiste em permanecer, o murmúrio que se deita sobre ti, quando a noite declina
e o luar se derrama.
Ainda assim, há uma beleza infinita
neste quase nada – neste toque sem peso, neste roçar de ausência. Já que não
posso habitar-te, deixo que a minha sombra o faça por mim, com a ternura de
sempre. Que ela te envolva, lenta como uma confissão sem voz. E, quando a noite
se for e tudo se dissolver na penumbra, tu saibas que mesmo no escuro, continuo
a pousar-me, amorosamente, em ti.
albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor
POLYEDRO
EU NÃO ARDO NAS SOMBRAS, CONSTRUO ALVORADAS!...
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
A MINHA SOMBRA
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
UM SONHO
A noite cai como um véu morno, e no
escuro há um pressentimento que me mantém desperto. Não é insónia, é desejo.
Deito-me e chamo-te em silêncio, como quem invoca um feitiço. Quero que um
sonho te traga até mim, sem barreiras, sem roupas, sem hesitação. Por fim, vejo-te
surgir, etérea e ardente, como se a própria noite tivesse criado alguém para me
possuir. És bruma e fogo, sombra e luz. Não caminhas, deslizas até mim,
deixando no ar um perfume que é só teu – mistura de vertigem e desejo. Antes de
me tocar já me inflamas. Teus olhos brilham como estrelas que sabem segredos antigos,
e eu cedo antes mesmo de sentires a minha rendição.
Quando te inclinas sobre mim, os teus
lábios pousam na minha pele como um sopro incandescente. A tua língua é
deliciosamente lenta, e tuas mãos exploram, primeiro leves, depois firmes, descobrindo
penumbras que tremem sob os teus dedos. És sonho, mas moves-te como fosses a
mais doce realidade; és névoa, mas o calor que deixas é real demais. Sinto o
teu corpo nu fundir-se no meu, dançando sem música, só guiado pelo compasso
ofegante da nossa respiração. Os teus quadris encontram os meus num ritmo que
começa suave, quase ritual, depois cresce, incontrolável, como uma maré que nos
arrasta. Cada gemido é um eco dentro de mim e cada suspiro teu acende outro
ainda mais profundo.
Não há palavra no mundo para o que
somos agora. Há suor e luz, há febre e silêncio. Há um sonho possuindo o meu
corpo, e o meu desejo tornando-se mais real do que qualquer amanhecer. Não sei
se é delírio, mas sinto-te plena, e cada instante se prolonga até se perder no
infinito de mim. E quando o climax chega, não é explosão – é dissolução. Somos
um só corpo, um só sonho, um só grito sem voz. E então a madrugada, lenta e
saciada, respira outra vez. Se fores sonho não despertes. Se fores real, nunca
partas. Pois o que esta noite esperei, finalmente chegou – e dançou comigo até
ao fim do tempo.
albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor
terça-feira, 7 de outubro de 2025
AMOR
Pela
manhã, o teu corpo ainda guardava a penumbra da noite, e o sol, tímido,
hesitava em pousar sobre a tua pele. Eu, imóvel, ao teu lado, sentia o peso
doce do silêncio e, nele, o ritmo sereno da tua respiração. Imaginei que
sonhavas. Não ousei tocar-te – não por falta de desejo, mas por um temor
sagrado, de quebrar a música que emanava do teu corpo enquanto sonhavas. Havia
em cada suspiro teu um poema, e eu o lia com os olhos fechados. O teu perfume
espalhava-se pela manhã, junto com o calor do teu corpo, e ao arrepio de tudo o
que fomos na noite anterior. Minha vontade era perder-me no contorno do teu
ventre, acender-me outra vez no lume da tua boca. Mas havia algo mais profundo
no silêncio – como se o próprio amor pedisse uma pausa para respirar contigo. Então
fiquei ali, sem mover um dedo, fechei os olhos a ver-te sonhar, e mesmo assim, te
possui inteiramente: Senti o arfar do teu peito subindo e descendo, cada
murmúrio do sonho que te tocava por dentro. Descobri que te amo também assim –
sem pressa, sem invasão, apenas ouvindo o poema secreto que o teu corpo escreve, quando o mundo ainda dorme.
E
naquele instante, entendi que tocar-te também é um prazer sem mãos, um
arrebatamento que começa no coração e termina na pele. Pela manhã, eu não te
toquei. Mas ouvi – te suspirar, profundamente dentro do poema, e lá, meu amor, tu
me pertences inteiramente.
albino santos
Reservados Todos os Direitos de Autor
domingo, 5 de outubro de 2025
SEGUE O IMPULSO
Segue
o impulso, porque é nele que a vida se transforma. Não deixes que o tempo
dissolva a chama do instante em que os nossos lábios se encontraram – instante
em que tudo o que era silêncio se fez música, e tudo o que era espera e desejo
se fez vertigem. Ainda sinto o sabor, que ficou até hoje na minha boca como um
selo ardente, promessa de eternidade na volúpia de um beijo. Não percas essa
doçura – porque nela está a verdade que nenhum discurso alcança. O que sentimos
foi muito mais que beijo, foi o desdobrar do invisível, o universo inteiro
concentrado no calor da tua boca. O instante perfeito, não pelo tempo breve que
durou, mas porque suspendeu o mundo e nos deixou suspensos um no outro, como
dois astros que se encontram na mesma trajectória e se atraem de uma forma irresistível
Hei-de voltar aos
teus lábios, onde o fogo cintila, onde desejo e ternura se confundem, onde o
impulso nos leva, nos arrasta, nos despe como o orvalho na concha da manhã.
Segue comigo nessa chama invisível que começa no beijo e termina no infinito da
nossa pele. Segue o impulso. Nele está a verdade daquilo que somos.
albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor
sexta-feira, 3 de outubro de 2025
AMANHECI NO TEU ROSTO
Amanheci
no teu rosto, como quem desperta dentro de um suspiro. A claridade, ainda
tímida, arrastava-se pelo enigma do teu silêncio. Havia no contorno dos
teus lábios uma noite inteira que se recusava a partir. Eras madrugada e aurora
ao mesmo tempo, eras luz e sombra, e eu, sem saber se sonhava ou apenas dormia,
deixei-me ficar preso no intervalo entre o teu suspiro e o rumor do dia que
nascia. O lume extenuado da noite ainda ardia em ti, um brilho lento que tecia
nos contornos do teu corpo a última memória das estrelas.
Deixei errar a mão
sobre a tua cintura, com a delicadeza de quem teme quebrar a eternidade, e descobri
no calor do teu corpo a alquimia secreta do desejo. Havia em cada linha da tua
pele um convite, em cada gesto do teu corpo uma vertigem, e eu, rendido à tua
sedução, deixei-me entregar ao milagre de existir contigo. Eras música sem som,
poesia sem verso, chama sem cinza – e eu era apenas alguém aprendendo a
renascer nos teus olhos.
albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor
terça-feira, 30 de setembro de 2025
ONDE SE PERDEM OS SONHOS
Rasgo o infinito como quem abre
uma fenda no próprio silêncio do tempo, e é então que o mar, guardião das vozes
invisíveis, responde ao apelo dos meus sonhos. Não responde em palavras, mas em
presságios, em redemoinhos que arrastam a memória, em marés que sonham como se
fossem o pulso secreto da eternidade. O mar, com a sua vastidão, é o espelho do
inatingível. Cada onda que se ergue é um gesto de criação, cada espuma que se
desfaz, um segredo daquilo que o mundo esconde de nós. Nele repousa a
sabedoria das origens: antes da primeira palavra, havia apenas este rumor
profundo, este cântico líquido, de rosto azul, onde os deuses e as sombras se
confundem.
Quando o chamo, não é apenas água que me responde – São os destroços de paixões
afogadas, o eco de constelações de sonhos que se perderam na bruma, a
recordação dos mitos que deixaram de existir. É como se o oceano fosse um imenso
sarcófago erguido sobre colunas de vento e sal, onde cada gota guarda um oráculo.
E eu, ao lançar-me nesse diálogo, compreendo que não sou um intruso, mas um
fragmento chamado de volta para à luz extenuada do teu peito, onde a sombra entra devagar.
Sonhar é, então, atravessar as
superfícies e tocar o indizível, como quem mergulha nos corredores secretos do
infinito. O mar não me consola nem me revela; ele me transfigura. Ele toma meus
sonhos como oferendas e os devolve em enigmas, para que eu jamais esqueça que a
vida não é resposta, mas abismo em constante revelação.
albino santos
* Reservados todos os Direitos de Autor
domingo, 28 de setembro de 2025
VIVALDI
Ainda
ontem éramos a invenção de um tempo secreto, uma melodia que Vivaldi jamais
ousou compor. Um prelúdio apenas feito para nós, onde o vento trazia murmúrios
de cordas invisíveis e a noite se abria como um palco de seda. Ali, entre a penumbra
e o desejo, buscávamos a melodia que nos fazia existir, como se cada nota fosse
a respiração suspensa entre a tua boca e a minha. Eternizamos partituras
invisíveis, gravadas não em pautas, mas sobre a pele arrepiada, no tremor das
mãos que se procuram sem destino. Não há silêncios ou sons que as contenha,
porque são feitas de instantes irrepetíveis – o calor de um beijo demorado, a
dança lenta do teu corpo no meu, o silêncio que se torna sinfonia quando me
perco nos teus olhos. Mas é pelo solfejo dos meus dedos, ao deslizar na tua
pele como quem percorre uma partitura, que a música se faz ouvir. A cada toque,
um acorde desperta, a cada suspiro, uma orquestra inteira se ergue. O teu corpo
é uma harpa de fogo, e eu, sou apenas quem se deleita no prazer de te tocar. Então,
a melodia sobe de tom, eleva-se em chamas, como uma aurora inevitável,
incendiando o espaço entre nós. Não é apenas música: é revelação. Uma obra
eterna que nasce em ti, se expande em mim, e só conhece o infinito quando os
nossos corpos se encontram em plena sintonia, no auge da música.
albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor