EU NÃO ARDO NAS SOMBRAS, CONSTRUO ALVORADAS!...

quarta-feira, 27 de abril de 2022

VOLTO

 

Depois de uma pausa necessária, para uma intervenção cirúrgica, volto para a vertigem das palavras, onde o sonho nunca morre. Mas fá-lo-ei sem pressas, apenas na medida em que isso me permita continuar a manter com quem me lê uma salutar relação de partilha, afecto e cumplicidade.

 

Volto. Ao que me investe de ímpeto e de afecto. Volto. Ao rumor das linhas solitárias. De vertigem e abandono. De solitário aconchego. Volto às minhas crenças. Ao inconformismo, que eu deixei por aqui. Volto como quem volta de uma grande viagem. Como quem, por fim, volta ao colo materno sugando o bico leitoso do seio da mãe. Volto-me para contemplar tudo aquilo que eu já contemplei. Ao mesmo argumento, às mesmas dúvidas, à palavra convulsa, impetuosa. Palavra espasmo fora de hora, acrescentando o divino que a gente nunca sabe se existe. Palavra que sai fora de todas as lógicas, indo ser livre entre sonhos e esquecimentos. Volto-me para o confuso. Franco. Vazio. Volto para o solitário do poeta. Volto. Mais urgente. Mais afectivo. Como um coreógrafo da mente que dança com o sentimento dos outros. Como uma sombra cansada de sombrear o verde da montanha, escorrendo o verde da tarde. E se eu tento descrever o que vejo, escrevo o verde nos meus versos, que também são de esperança. Ou minto a paisagem e coloro de negro a sombra vegetando o monte. Sem argumento. Sem minúcias.

É para isso que eu volto. Para o verde da tarde. Assombroso. Insuperável. Para a calmaria desse inferno de viver. A palavra esmorecendo. De um vazio sem fundo. E só.

 

albino santos