Acordo.
A noite foi apressadamente negra, propícia a todos os vendavais.
Amanheço
num texto com a luz das sílabas a descerrar-me teimosamente as pálpebras.
Aflora-me
nos lábios um gesto indiviso de murmúrio, como se uma sinistra festa estivesse
a acontecer dentro de mim. Sinto-me um fantasma sem noite, procurando em vão
uns lábios onde pousar a sede de um beijo sem destino, repousar a inquietude
nas tuas mãos cálidas e translúcidas e amanhecer no esplendor de um olhar pleno
de desejo.
Percebi
então que tem que haver ficção para tecer a realidade quando o desejo cede a
todos os fascínios.
Sigo
o teu rasto pelo texto molhado que deixaste sobre a minha pele. Sorrio à
solidão, porque em mim circulas no fogo que trago no sangue. Fecho os olhos,
até que o movimento do tempo fique suspenso e tudo o que me rodeia tome a forma
do teu corpo quando se espreguiça na cumplicidade do teu sorriso. Depois,
acordo com o poema a acender-se nos meus olhos.
albino santos
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