CONTORNOS

A mão da noite aveluda os contornos do horizonte. Invisíveis dedos burilam a silhueta, a noite concentra-se para o esquecimento da luz. Penetra-a um som suave de incomparável quietude, como um misterioso crepúsculo de sonhadora placidez, música de água, eterna maresia, poema navegante de todas as marés.

O meu olhar febril grava em sua transparência cada letra, cada cor. Contudo, em vão me demoro a compreender este alfabeto para ousar ler os deslumbrantes recortes de um horizonte em êxtase. Num fugaz momento de palpitante intensidade, vislumbro a mesma cósmica beleza que sempre  se desvendou ante os meus olhos, como se o teu corpo fosse uma falésia onde se precipita a luz em que me esqueço e o impossível sonha na madrugada onde todo o sono se perde. Talvez eu encontre um caminho para o amanhecer, um patamar para a claridade, quando me deixar envolver por aqueles olhos fulgentes, de um brilho antigo, que a luz suspende num rosto de silêncio e de segredo que o tempo tornou leve e perene.

albino santos

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