ESCUTO ATENTAMENTE A SOLIDÃO

 

Uma nuvem de pombos paira incessante sobre o lugar onde me encontro. Aqui, ouve-se tudo. Ensurdecedora é sempre a esperança, quando o mais leve rumor me faz supor que são os teus passos. Vem então a vertigem da memória tornar a tua imagem evanescente, que te faz viver  no infinito de mim, no fogo da minha pele, a vaguear pelos caminhos do meu ser, percorrendo a minha alma, comandando os meus desejos. Dás ao meu sonho toda a tua luz para que ele seja a nossa realidade, que tão intensamente vivemos, inebriados pela doçura dos beijos com uma ternura meiga e sem limites. Fazes-me acreditar que tudo é possível, sem culpas, sem ressentimentos, sem medos. Mas o desejo, esse não cessa, apesar da volúpia com que corre o tempo e faz com que eu tenha saudades do futuro que, tantas vezes, bebemos avidamente num beijo, com as bocas, saudosas a devorarem-se entre o aroma das rosas que sentíamos desabrochar dentro do peito e que perfumavam os nossos beijos.
Ainda escuto o ruído do vento, explodindo obsessivo, lambendo as frestas entre o arvoredo. Parece-me ouvir a doce surdina do teu corpo, mas, de certa forma, escuto atentamente a solidão.

albino santos
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