ENTRE A REALIDADE E A FANTASIA

 

A fantasia é a alma de portas abertas a todas as brisas, a todos os ventos. É uma luz inatingível na noite cerrada. É o sorriso de um gato ao sentir o afundar dos dedos na sua pelugem. É o encontro entre a alegria e o acaso. É a mais bela face do amor em todos quantos se empenham na sua busca. É adormecer um sonho na polpa dos lábios e senti-lo acordar dentro da boca. É aquilo que incessantemente se reinventa para prolongar o fascínio do voo.
Mas quando regresso ao mundo convulso a que pertenço, vejo roseiras bravias que germinam assustadas na berma dos caminhos e escondido nas sombras, há um gume diáfano a extirpar as horas sangrentas. Deixo-me então envolver por tudo que constitui o universo onde tem origem a minha identidade e define a minha ligação ao mundo. Sinto-me como se descesse a um vazio total onde assisto à apoteose do nada. Aqui, nem ecos, nem pegadas. Tudo é silencioso e deserto na rigorosa nudez que o tempo foi acumulando. Os seres e as coisas arfam por uma boca única e um olho ciclópico varre os olhares incautos, ébrios de tédio. Exausto, o dia tange a sua própria sombra. 
Contra o sol dissipado, palpita o teu vulto como jamais te conheci. Uma dádiva! Ferem-se-me os olhos e tenho-te como se te visse. Dou por mim a chamar o teu nome, a desejar o teu corpo, a tua voz, o teu silêncio. Pressinto a tua sombra, esquiva e sedenta, emanando uma música de vento, noctívago rumor de implacável beleza, pousando no meu corpo em suavíssimos afagos.
Paira no ar o perfume de uma noite inextinguível. Deito-me na terra sobre o musgo macio e peço ao sol o majestoso torpor do poente.

albino santos
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