AINDA AS PALAVRAS...

 

As palavras que compõem os meus poemas são livres, têm uma missão a cumprir que eu não determino. Liberto-as para que possam escolher o seu destino. O poema é apenas o local de gestação onde elas se formaram. O casulo. Eu, apenas escrevo! Não sei o que elas sonham, para que rostos brilham, que caminhos vão percorrer. É este o domínio interdito, obscuro e impenetrável das palavras. Imagino-as entre um bando de pássaros, no tropel das nuvens, num céu azul, na densidade das folhas, no silêncio de uma noite procurando a sede de uns lábios sem destino. Selvagem, a palavra, de riso em riste, despedaça a língua num encantado gozo e os seus gestos cintilam em ardentes expressões. Neste louco devaneio, propaga sem destino surpresas e carícias, suavidade e tumulto, vivas evidências de uma voragem enigmática. O desejo, em adoráveis ímpetos, estremece no seu movimento, desnuda a palavra, modula as suas formas amorosas, atinge o momento do êxtase supremo! Depois, com a lucidez do amante que adormece sobre o seio da amada, a palavra torna-se indolente, já não reflecte qualquer luz. No seu silêncio de fogo, a palavra transforma-se, dissolvendo as sílabas, morrendo no auge da orgia para renascer triunfal na estrofe de um poema!


albino santos
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